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sexta-feira, 11 de maio de 2012

APOSTILA DO FREI DEMÉTRIUS: INTRODUÇÃO À BÍBLIA - O CÂNON DA BÍBLIA

INTRODUÇÃO À BÍBLIA
O CÂNON DA BÍBLIA
O termo grego kânon (kanon) vem de “cana”, um pedaço de “caniço” usado para medir
(Ez 40,3.5). Num sentido derivado, passou a significar “medida”, uma “regra” ou “ norma” (Gl
6,16). Assumiu depois o significado de “relação”, “enumeração”, “lista dos livros” do Antigo e do
Novo Testamento que a Igreja Católica considera como inspirados e que servem de “norma”, de
“medida” da fé, isto é, de “base e critério” para o ministério da pregação e do ensino no caminho da
justiça (cf. 2Tm 3,14-16).
Os Santos Padres usaram a palavra “cânon” com o sentido de “regra de fé”, e o cânon das
Escrituras foi considerado como a regra escrita de fé. A idéia que finalmente prevaleceu foi a de
uma determinada coleção de escritos que se constitui em uma regra de fé. Por último, o cânon das
Escrituras passou a significar aquilo que entendemos por ele hoje: a coleção de livros divinamente
inspirados recebidos e reconhecidos pela Igreja como a infalível regra de fé e prática, em virtude de
sua origem divina.
Podemos notar que a designação de “canônicas”, aplicada às Escrituras, pode ser tomada
num sentido ativo: a Bíblia como a regra de fé e prática ou passivo: a Bíblia como oficialmente
recebida pela Igreja.
Embora todos os livros canônicos sejam inspirados e nenhum fora do cânon é considerado
inspirado, as noções de canonicidade e inspiração não são as mesmas. Canonicidade significa que
um livro inspirado, destinado à Igreja, foi recebido como tal por ela. Os livros são inspirados
porque Deus é o seu autor, e são canônicos porque a Igreja os reconheceu e os admitiu como
inspirados. A Igreja, por meio da revelação, pode reconhecer o fato sobrenatural da inspiração. Esse
reconhecimento pela Igreja não acrescenta nada à inspiração de um livro, mas reveste o mesmo de
uma autoridade absoluta do ponto de vista da fé e, ao mesmo tempo, é o sinal e garantia da
inspiração.
DIVISÃO DA BÍBLIA
a) A divisão cristã da Bíblia inclui o Novo Testamento, que conta com 27 livros, e o
Antigo Testamento, que conta com 46 livros. Nos dois Testamentos1 os livros podem ser
distribuídos em três grupos da seguinte maneira:
ANTIGO TESTAMENTO (46) NOVO TESTAMENTO (27)
21 Livros Históricos 5 Livros Históricos: Evangelhos e Atos
7 Livros Didáticos 21 Livros Didáticos: Epístolas
18 Livros Proféticos 1 Livro Profético: Apocalipse
A divisão cristã da Bíblia, AT e NT, em três grupos de livros (históricos, didáticos e
proféticos) parte de uma visão global que situa a Palavra de Deus na vida dos fiéis, influenciando-a
em todas as suas dimensões: passado (livros históricos), presente (livros didáticos) e futuro (livros
proféticos).
Alguns estudiosos interpretam o fato de colocar os livros proféticos em último lugar, como
já faziam os judeus da Diáspora, como uma chave de leitura do AT, isto é, que todos os outros
livros devem ser lidos como profecia ou preparação do NT. Mas também mantém a idéia que a
Bíblia é sempre uma dimensão de futuro, um “advir”. De fato, o cânon hebraico se conclui com um
chamado endereçado a todos os Hebreus da diáspora e que são chamados a retornar a Jerusalém
1 A expressão não é usada de forma uniforme. Para os judeus só existe a Bíblia Hebraica. Não agrada a eles a palavra “Testamento”, pois Deus não
morreu para deixar Testamento. Eles gostariam que chamássemos Primeira Aliança e Nova Aliança. Ultimamente alguns passaram a usar Primeiro
Testamento e Segundo Testamento. Outros consideram esta expressão também inadequada e que não resolve o problema. Porém, a expressão “Antigo
Testamento” já foi utilizada pelo Apóstolo Paulo, em 2Cor 3,14.
para ajudar na reconstrução do Templo. Este chamado é também a todo leitor da Bíblia e que deve
escrevê-lo com a própria vida. A Bíblia, no cânon hebraico, possui uma estrutura aberta ao
acontecer. O ultimo verbo é um iussivo, uma forma do imperativo, e não um indicativo2.
b) O Antigo Testamento usado pelos judeus e protestantes é diferente do nosso não
somente pelo número de livros. Na Bíblia Hebraica há também diferenças na maneira de dividir os
livros em grupos. Podemos falar, portanto, de uma divisão hebraica (Cf. Prólogo ao Eclo 1,1.8s.24;
Lc 24,27.44) e uma divisão cristã da Bíblia.
DIVISÃO HEBRAICA DIVISÃO CRISTÃ
Torah = Lei (5): corresponde ao nosso
Pentateuco (Gn, Ex, Lv, Nm e Dt)
Livros Históricos (21): Gn, Ex, Lv, Nm, Dt,
Js, Jz, Rt, 1-2Sm, 1-2Rs, 1-2Cr, Esd, Ne,
Tb, Jt, Est, 1-2Mc
Nebi’im = Profetas (21)
a) Profetas anteriores: Js, Jz, 1-2Sm, 1-2Rs
b) Profetas posteriores: Is, Jr, Ez e os 12
Profetas Menores
Livros Sapienciais ou Didáticos (7):
Jó, Sl, Pr, Ecl, Ct, Sb, Eclo
Ketubim = Escritos (13): Sl, Pr, Jó, Ct, Rt,
Lm, Ecl, Est, Dn, Esd, Ne, 1-2Cr
Livros Proféticos (18):
a) Profetas maiores: Is, Jr, Lm, Br, Ez., Dn.
b) Profetas menores: Os, Jl, Am, Ab, Jn,
Mq, Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml
A divisão cristã do AT tem como critério os gêneros literários dos livros, enquanto a judaica
segue a ordem cronológica ou do tempo em que cada livro supostamente foi escrito.
LÍNGUAS DOS LIVROS BÍBLICOS
ANTIGO TESTAMENTO NOVO TESTAMENTO
HEBRAICO ARAMAICO GREGO
Todo, menos
as partes em
aramaico e
grego
Dn 2,4-7,28
Esd 4,8-6,18;
7,12-26;
Gn 31,47;
Jr 10,11
Sabedoria
1-2Mc
Totalmente em grego koiné (comum, popular)
Existe a hipótese que o Evangelho de Mateus
tenha sido escrito antes em hebraico e depois
traduzido para o grego, porém se existiu esta
versão, a mesma nunca mais foi encontrada.
Os livros chamados deuterocanônicos só os temos em grego, mas é provável que a
maioria deles tenha sido escrita em hebraico.
- Há dúvidas com respeito a Tobias, Judite e partes deuterocanônicas de Daniel, se
foram escritos em hebraico ou aramaico.
- Foram encontrados em hebraico:
a) 3/5 do Eclo, numa genizah3 de uma velha sinagoga do Cairo (1896)
b) vários fragmentos de Tb, em Qumrã
CÂNON HEBRAICO E CÂNON GREGO DO AT
2 O mesmo fato acontece com o Novo Testamento que termina com um pedido direcionado ao futuro: “Vem Senhor Jesus!” (Ap 22,20)
3 Depósito onde os judeus, por respeito, guardavam os livros usados.
Nas duas divisões apresentadas acima, já pudemos ver que faltam alguns livros do AT na
Bíblia Hebraica. Se pegarmos hoje uma Bíblia usada pelos protestantes, notaremos as mesmas
faltas. Por que isso acontece?
Ë comum ouvirmos que foi Martinho Lutero, fundador do protestantismo, quem teria
retirado esses livros da Bíblia, porque eles continham alguns pontos da doutrina católica negados
por ele. Não é verdade! Já dois séculos e meio antes de Jesus Cristo, existiam duas listas diferentes
dos livros do AT considerados canônicos: uma em hebraico e outra em grego.
O AT em grego contém o cânon da Septuaginta ou Setenta (LXX) e era seguido pelos
judeus que moravam fora da Palestina; o outro, chamado Bíblia Hebraica (BH), era usado pelos
judeus da Palestina. Geralmente, se fala de um “cânon breve” (BH) e um “cânon curto” (LXX).
LEI
(Torah)
PROFETAS
(Nebi’im)
ESCRITOS
(kethubim)
1. Gênesis
(Bereshit: No princípio)
2. Êxodo
(Shemôt: Nomes)
3..Levítico
(Wayyqrá: E ele chamou)
4. Números
(Bemidbar: No deserto)
5. Deuteronômio
(Debarîm: Palavras)
Profetas Anteriores
6. Josué
7. Juízes
8. 1 e 2 Samuel (2)
9. 1 e 2 Reis (2)
Profetas Posteriores:
10. Isaías
11. Jeremias
12. Ezequiel
13. Os Doze Profetas (12)
14. Salmos
15. Jó
16. Provérbios
17. Rute
18. Cântico dos Cânticos
19. Eclesiastes (Coélet)
20. Lamentações
21. Ester
22. Daniel
23. Esdras - Neemias (2)
24. Crônicas (2)
CÂNON GREGO DA LXX
LEGISLAÇÃO E HISTÓRIA POETAS E PROFETAS
1. Gênesis
2. Êxodo
3. Levítico
4. Números
5. Deuteronômio
6. Josué
7. Juízes
8. Rute
9. Quatro “livros dos Reinos”: I e II
Samuel; III e IV Reis
10. Paralipômenos I e II = Crônicas
11. [ Esdras I ]
12. Esdras II = Esdras e Neemias
13. Ester (com partes próprias do grego)
14. Judite
15. Tobias
16. I e II Macabeus
17. [ III e IV Macabeus ]
18. Salmos
19. [Odes]
20. Provérbios de Salomão
21. Eclesiastes
22. Cântico dos Cânticos
23. Jó
24. Sabedoria
25. Eclesiástico (“Sabedoria de Sirac”)
26. [Salmos de Salomão]
27. Doze profetas menores
28. Isaías
29. Jeremias
30. Baruc ( = Baruc 1-5)
31. Lamentações
32. Carta de Jeremias ( = Baruc 6)
33. Ezequiel
34. Susana ( = Daniel 13)
35. Daniel 1-12 (3,24-90 é próprio do
grego)
36. Bel e o Dragão (=Daniel 14)
Os católicos chamam os 39 livros da BH de livros Protocanônicos (pertencentes ao
primeiro cânon) e os 7 livros contidos na LXX e aceitos pela Igreja Católica de livros
deuterocanônicos (pertencentes ao segundo cânon, em itálico na lista).
Mas a LXX tem outros livros que a Igreja Católica também não considera como inspirados
e, por isso, os chama de livros apócrifos ([Entre colchetes na lista])
Os Ortodoxos aceitam, além dos protocanônicos, os apócrifos 3-4Esd e 3Mc.
Os Samaritanos só aceitam os cinco primeiros livros da Bíblia, o chamado “Pentateuco
Samaritano”, porém contém cerca de 6 mil variantes com relação ao Pentateuco Hebraico.
DIVISÃO EM CAPÍTULOS E VERSÍCULOS
A atual divisão da Bíblia em capítulos e versículos é obra bastante recente.
- Estêvão Langton, professor de Paris e depois arcebispo de Cantuária, fez a divisão em
capítulos, em 1214.
- Hugo de Santa Clara dividiu os capítulos em parágrafos de a - q, em 1263.
- Sante Pagnini dividiu o AT em versículos, 1528, levando em consideração a antiga
divisão dos judeus. Na Bíblia Hebraica já existia uma divisão em versetos, já que escribas judeus
(soferim e massoretas) colocavam o número de versículos no final de cada livro do AT.
- Roberto Etienne dividiu o NT em versículos, em 1551.
FORMAÇÃO DO CÂNON
HISTÓRIA DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO
Como vimos, o Antigo Testamento usado pelos protestantes não tem os seguintes livros:
Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, 1 e 2 Macabeus, Baruc e algumas partes de Daniel (Dn
3,24-90; 13-14) e de Ester (isto é, Est 10,4-16,24, na Vulgata, a tradução da Ave Maria segue esta
seqüência, as outras não); e uma Carta de Jeremias (nas nossas Bíblias, esta carta está no capítulo 6
de Baruc).
Esta diferença existe não apenas porque algumas partes desses livros não eram simpáticas
a Martinho Lutero, o fundador do protestantismo. O problema vem de longe e tem uma longa
história!
Depois do exílio na Babilônia, muitos hebreus viviam fora de Israel, exilados ou porque
emigraram. Nesta época em quase todo o mundo se falava a língua grega. Os hebreus que viviam
fora de Israel tinham dificuldade de ter acesso ao texto bíblico escrito em hebraico. Os filhos dos
hebreus nascidos fora da Terra Santa estudavam o grego. E por isso, em Alexandria no Egito, uns
300 anos antes de Cristo, alguns escribas hebreus decidiram traduzir a Bíblia para o grego. A
história conta que se reuniram em selas separadas 72 escribas vindos de Israel (6 de cada tribo) e em
exatos 72 dias cada um fez uma cópia. Depois de concluídos viram que os textos eram
absolutamente iguais. Porém, é fácil perceber que não foi bem assim. A tradução para o grego foi
feita por muitas mãos. Alguns conheciam bem o hebraico e também o grego. Alguns livros têm uma
tradução péssima para o grego. Muitas vezes tiveram que explicar alguns termos, interpretar certas
expressões, fazer o texto se tornar compreensível ao mundo grego. Esta tradução é chamada LXX
(Setenta) ou Septuaginta.
Os hebreus que moravam em Israel não gostaram dessa tradução. Segundo eles, Deus só
“falava” em hebraico. Os hebreus que viviam fora de Israel gostaram, porque assim podiam ler,
estudar e viver a Palavra de Deus e usar este texto na liturgia e nas celebrações. No entanto, eles
foram mais longe, entenderam que alguns livros escritos fora de Israel faziam parte da história do
povo de Deus e por isso também eram inspirados por Deus. Foi assim que também incluíram na
Bíblia os livros: Eclesiástico, Sabedoria, Tobias, Judite, Baruc, 1 e 2 Macabeus e alguns trechos dos
livros de Daniel e Ester e uma Carta de Jeremias. Os judeus acharam isso um absurdo porque,
segundo eles, Deus só se revelava em hebraico e ficaram com a sua Bíblia que ficou mais
“pequena” e só em hebraico. Os judeus fora de Israel tinham então uma Bíblia mais “grande”4, em
grego. No ano 87, os judeus de Israel, no Concílio de Jamnia, definiram de uma vez por todas que
para eles a verdadeira Bíblia Hebraica era esta “pequena”.
Jesus veio e viveu em Israel, onde se falava o hebraico e aramaico. Jesus estudou a Bíblia,
e quando ia nas sinagogas lia os trechos bíblicos. Como estava em Israel utilizava sempre a Bíblia
Hebraica “pequena”. Jesus falou e anunciou a sua mensagem em aramaico e hebraico, mas o Novo
Testamento foi escrito em grego. Os Apóstolos anunciaram a Boa Nova de Jesus em Israel, depois
saíram e foram por todo o mundo. Nesses lugares a língua corrente (escrita e falada) era o grego e
então usaram o AT escrito em grego, isto é, a Bíblia “grande”. Isso mostra que Deus revelava a sua
mensagem em qualquer língua que Ele quisesse. O NT cita cerca de 350 vezes o AT (os livros mais
citados são Salmos, Isaías e Gênesis) e se percebe que pelo menos 300 vezes as citações são tiradas
da versão grega (LXX).
Critérios de inspiração para os rabinos de Jâmnia:
Os rabinos do Sínodo de Jâmnia consideraram como inspirados e que, por isso,
formam o cânon da Bíblia Hebraica, somente os livros:
a) antigos que tivessem sido escritos até Esdras e Neemias;
b) redigidos em língua sagrada, isto é, o hebraico;
c) originados e compostos na Palestina e não em terras estrangeiras;
d) que estivessem de acordo com a Lei de Moisés.
A Vulgata: Mais uma vez, os cristãos não ligaram muito e ficaram com a lista mais
comprida, que eles consideravam toda Palavra de Deus, inspirada par Ele.
Por volta do ano 400 o Papa Dâmaso pediu a São Jerônimo para traduzir a Bíblia para o
latim, pois naquele tempo não se falava mais nem o hebraico e nem o grego, mas o latim. Jerônimo
concordou e começou a trabalhar.
Mas havia um problema: Jerônimo não conhecia bem o hebraico. Procurou então um velho
rabino judeu de Belém, para ter aula com ele. Devido às aulas, os dois acabaram ficando muito
amigos. Trocavam idéias sobre a Bíblia, até que Jerônimo ficou influenciado pelo rabino e começou
a pensar que a verdadeira Bíblia era aquela mais curta, aquela dos judeus.
Jerônimo, porém, sabia que a Igreja não pensava como ele, então traduziu tudo, mas disse
que os sete livros que não estavam na Bíblia hebraica eram “Deuterocanônicos”. “Dêutero” quer
dizer segundo; “cânon” significa lista. São Livros da segunda lista.
A opinião de Jerônimo tinha muito peso na Igreja. As divergências começaram de novo.
Antes ninguém tinha dúvidas, mas depois que Jerônimo veio com esta lista de “deuterocanônicos”,
a discussão voltou a ser forte e as discussões continuaram por muitos e muitos anos. Com o passar
dos séculos, os bispos resolveram pronunciar-se oficialmente. Fizeram isto numa Carta escrita
durante o Concílio Ecumênico de Florença, no anos de 1430. Nesta Carta diziam que, para a Igreja
Católica, faziam parte da Sagrada Escritura todos os Livros da lista comprida.
Tudo parecia em paz, quando o assunto voltou à tona por causa de Lutero. Tendo deixado,
por protesto, a Igreja Católica, Lutero tinha começado a Igreja Protestante. A primeira preocupação
dele foi traduzir a Bíblia do latim para o alemão.
A Bíblia que Lutero traduziu, porém, foi a Bíblia pequena, aquela dos Hebreus. Com ela
reabriu-se a discussão dentro da Igreja. Então, no Concílio de Trento (1545-1563), os Bispos
definiram e encerraram a discussão. A Bíblia que a Igreja Católica aceita como inspirada por Deus é
aquela comprida. Os católicos ficaram com a Bíblia comprida e os protestantes com a curta, como
Lutero tinha traduzido. E esta diferença existe ainda hoje.
Hoje em dia já tem Bíblias protestantes que trazem os outros Livros, porque muitos deles
sabem que são Livros antiqüíssimos e de grande valor.
4 Os livros que estão a mais na Bíblia “grande” são chamados de “deuterocanônicos”. O uso do termo “pequena” e “grande” aqui não
significa que uma Bíblia é melhor ou maior que a outra. Mas que é mais grossa ou mais fina; isto é, que contenha mais ou menos
livros.
HISTÓRIA DO CÂNON DO NT
CRITÉRIOS PARA A DETERMINAÇÃO DA CANONICIDADE DE UM
LIVRO DO NOVO TESTAMENTO
1. Apostolicidade, em sentido amplo
2. Leitura pública e oficial pela maioria das igrejas
3. Não contradição com a Regula Fidei, transmitida na catequese batismal.
O Evangelho, por ordem expressa de Jesus, foi primeiramente pregado (Mt 28,19-20; Mc
16,15-16; At 5,28-29; 8,4; 13,4-5). Assim, do ano 30 até o ano 51, o que existia do Novo
Testamento era somente a pregação viva da Igreja, daquilo que Jesus “fez e disse”. O que
dinamizava as diversas Igrejas (Jerusalém, Samaria, Damasco, Antioquia, Corinto, Tessalônica,
Éfeso, Roma etc.) era a Tradição, que continua até hoje.
A Igreja, desde o primeiro dia de sua existência, possuía o Antigo Testamento como
Escrituras inspiradas. Contudo, para a Igreja primitiva, este Antigo Testamento era, em seu sentido
mais profundo, profecia do Cristo - a autoridade última era o próprio Cristo. Cristo tinha enviado
os seus Apóstolos para proclamar a Boa-Nova e edificar a comunidade cristã. Eles tinham sido
testemunhas oculares de sua obra e ouvintes de suas palavras. Portanto, a Igreja primitiva tinha três
autoridades: o Antigo Testamento, o Senhor Jesus e os Apóstolos.
A autoridade última, decisiva, era Cristo, o Senhor, que falou imediatamente em suas
palavras e obras e imediatamente através de suas testemunhas.
a) No começo, as palavras do Senhor e o relato de seus atos eram repetidos e relatados
oralmente. Mas logo eles começaram a ser escritos. Mas, depois que pregaram o evangelho, os
apóstolos tiveram a necessidade de escrever a certas comunidades, como fez São Paulo em suas
cartas. Alguns desses escritos eram trocados entre as igrejas e logo ganharam a mesma autoridade
dos escritos do Antigo Testamento (Cf. 2Pd 3,15s).
É, porém, compreensível que tenha decorrido algum tempo antes que a coleção desses
escritos do tempo dos Apóstolos tivesse tomado o seu lugar ao lado dos livros do Antigo
Testamento, com o mesmo peso de autoridade, especialmente quando se considera que muitos eram
escritos ocasionais endereçados às igrejas individuais.
b) Por volta do ano 125, havia dois grupos de escritos que possuíam a garantia apostólica e
cuja autoridade era reconhecida por todas as comunidades que os possuíam: os evangelhos e as
cartas de São Paulo. Contudo, não havia pronunciamento oficial e as coleções variavam de igreja
para igreja.
As palavras escritas do Senhor, os evangelhos, embora não sejam os escritos mais antigos
do Novo Testamento, foram os primeiros a serem colocados em pé de igualdade com o Antigo
Testamento e reconhecidos como canônicos. Por volta do ano 140, Pápias, bispo de Hierápolis, na
Frígia, reconhecia os Evangelhos de Marcos e Mateus. Os escritos dos Padres Apostólicos fornecem
certa prova de que, desde as primeiras décadas do século II, as grandes igrejas possuíam um livro
ou grupo de livros que eram comumente conhecidos como “Evangelho” e aos quais se fazia
referência como a um documento que tinha autoridade e era universalmente conhecido.
É provável que já pelo fim do século I ou começo do século II, treze epístolas paulinas
(excluindo Hebreus) fossem conhecidas na Grécia, Ásia Menor e Itália. Todos os manuscritos e
textos das epístolas paulinas resultaram de uma coleção que se harmoniza com nosso Corpus
Paulinum. É verdade que as primitivas coleções mostram variações na ordem das epístolas, mas o
número de escritos permanecia o mesmo. Não há citação de Paulo que não seja tirada de uma das
epístolas canônicas, embora seja certo que o Apóstolo escreveu outras cartas.
c) Temos poucos relatos de outros escritos apostólicos na primeira metade do século II.
Clemente conhecia Hebreus; Policarpo conhecia 1Pd e 1Jo; Papias conhecia 1Pd, 1Jo e Apocalipse.
Na segunda metade do século, Atos, Apocalipse e, pelo menos, 1Jo e 1Pd eram considerados
canônicos; eles tomaram o seu lugar ao lado dos evangelhos e das epístolas paulinas.
No Ocidente: (Roma e o resto da Europa), o Cânon Muratoriano (cerca de 180 – veja o
texto em anexo) é o testemunho mais antigo sobre os esforços empenhados em reunir os livros
sagrados aptos para a leitura na liturgia e considerados fontes de pregação apostólica, para
estabelecer elencos e para separá-los de outros escritos.
Havia nessa época duas tendências que reclamavam a determinação de um catálogo
oficial5:
a) De um lado, o aparecimento de inúmeros livros apócrifos (evangelhos, atos de
Apóstolos, cartas apostólicas e apocalipses) freqüentemente de origem herética, com ares de
autoridade apostólica e de documentos autênticos da doutrina de Jesus.
b) Do outro lado, o cânon seletivo de Marcião, herege romano, cerca de 150, que rejeitou
vários escritos genuinamente apostólicos. Repeliu o Antigo Testamento inteiro, deixando valer
apenas o Evangelho de Lucas, embora mutilado, 10 cartas paulinas (menos 1-2Tm e Tt) e Hb.
Por isso as comunidades sentiram necessidade de defender o patrimônio verdadeiramente
apostólico, tanto da asfixia por parte dos apócrifos, quanto do esvaziamento por parte de hereges.
Surgiram pois listas dos livros considerados canônicos, por enquanto, particulares e semi-oficiais.
Todavia, as autoridades das regiões eclesiásticas maiores aguardaram ainda por muito tempo a
oportunidade de estabelecerem elencos oficiais que decidissem sobre a extensão do cânon bíblico.
Eis alguns exemplos:
- Irineu, bispo de Lião (†202) conhecia as cartas paulinas (menos Hb) e cita 1Pd, 1Jo, 2Jo,
At e Ap. Considera ainda como “Escritura” o Pastor de Hermas, apócrifo. Demonstra interesse
especial só pelos quatro Evangelhos, que distingue claramente dos evangelhos apócrifos.
- Na mesma época, o africano Tertuliano fala pela primeira vez de um “Novo Testamento”,
ou “Novo Instrumento”, pertencente ao “Instrumento total de ambos os Testamentos”, e de um
“Instrumento evangélico” (= os 4 Evangelhos) e “quatro Instrumentos apostólicos” (At, 13 cartas
paulinas, 1Jo + Ap, 1Pd + Jd). Mas não se trata ainda de um testemunho oficial.
No Oriente (Grécia, Ásia e Alexandria): estas Igrejas também não se apressaram em
delimitar o cânon do NT. Pelo ano 200 o bispo Serapião de Antioquia admitia à leitura pública o
Evangelho apócrifo de Pedro, para depois revogar a sua decisão. No mesmo período Clemente de
Alexandria chamava os Evangelhos e as cartas paulinas de “kyriakê graphé” (Escritura do Senhor).
Defende expressamente a autenticidade das cartas pastorais (1-2Tm e Tt) e Hb - prova de que se
disputava a esse respeito no Egito - e atribuía certa autoridade, ao lado de At, 1Pd, 1 e 2Jo, Jd e Ap,
também à Carta de Clemente, de Barnabé, Evangelho dos Egípcios, Doutrina dos Doze Apóstolos,
Pastor de Hermas e outros apócrifos, os quais cita imperturbavelmente como “Escritura”. Ignora um
cânon definitivo.
Orígenes, já empregava, como Tertuliano, os termos “Antigo e Novo Testamento”, que
formavam ambos as “Escrituras divinas”. Quanto ao Novo Testamento, assinalava os Evangelhos,
Atos, 14 cartas paulinas (com dúvidas sobre Hb), 1Pd, 1Jo e Ap, e (com reservas) as demais Cartas
Católicas, citando igualmente, à guisa de Escrituras, o Pastor de Hermas e a Carta de Barnabé.
Já no início do século IV, Eusébio, o bispo de Cesaréia, estabeleceu um cânon no qual
distinguia os grupos seguintes de livros:
- Reconhecidos universalmente (homolegómena): 4 evangelhos, At, 14 cartas paulinas
(com reservas quanto a Hb), 1Jo e 1Pd; Ap com reservas;
- Discutidos (antilegómena): Tg, Jd, 2Pd, 2 e 3Jo;
- Espúrios (nótha): Atos apócrifos de Paulo, Pastor de Hermas, Apocalipse de Pedro,
Cartas de Barnabé, Didaqué e, para alguns, o Apocalipse. Quanto ao último, Eusébio não o deseja
manter no primeiro grupo, nem quer rejeitá-lo por completo, e isso em atenção a Orígenes, seu
venerado mestre.
5 Podemos notar quatro fatores que influenciaram a formação do cânon do Novo Testamento :
- Os muitos apócrifos que a Igreja rejeitou;
- A heresia de Marcião, que tinha estabelecido o seu próprio cânon, o qual consistia de um Lucas corrigido e dez epístolas de Paulo
(excluindo as pastorais e Hebreus);
- Os heréticos montanistas, que reivindicavam revelações adicionais do Espírito Santo;
- A grande abundância de escritos gnósticos.
Dois livros particularmente dividiam as opiniões entre o Ocidente e o Oriente: Hebreus,
rejeitada com mais freqüência no Ocidente; Apocalipse, menos aceito no oriente.
Ainda no século IV, a maioria dos Padres gregos ou ignoravam ou rejeitavam o
Apocalipse. O Sínodo de Laodicéia (cerca 360) reconheceu somente 26 livros do Novo Testamento
(sem o Apocalipse). Atanásio, que durante o seu desterro teve contacto com a tradição da Igreja
Ocidental, aceitou o Apocalipse entre os livros canônicos e conseguiu aos poucos torná-lo aceito na
Igreja Oriental.
No que concerne à Igreja siríaca, esta tomou um rumo totalmente próprio na questão do
cânon; ali, só no século V os quatro Evangelhos conseguiram impor-se contra o Diatéssaron de
Taciano (cerca 170).
OS DEUTEROCANÔNICOS DO NT NOS ANTIGOS
CÂNONES E NOS PADRES DA IGREJA
1. Cânon de Muratori (180): faltam Hb e 2Pd
2. Claromontano (século IV): falta Hb.
3. Cânones Apostolorum (cerca 400): falta Hb
4. Cânon Mammoseniano (360): faltam Hb, Tg e Jd
5. Cânon Siríaco: faltam Hb, Tg, Jd, 2Pd, 2-3Jo e Ap.
6. Eusébio De Cesaréia (+339) propõe um duplo elenco:
Homolegómena: aceitos por todos;
Antilegómena: objetos de contestação - enumera
todos os deuterocanônicos do NT, menos Hb.
7. São Jerônimo fala das dúvidas e distingue entre
canonicidade e autenticidade.
8. Depois da segunda. metade do século V: praticamente,
unanimidade entre os escritores.
O CÂNON DEFINITIVO
a) O Sínodo de Hipona (393): O primeiro catálogo oficial de um sínodo que enumera
todos os livros do cânon atual é o do Sínodo de Hipona na África, do ano 393. Eis o texto: “Além
dos escritos canônicos, nada deve ser lido na Igreja sob o nome de Escritura Sagrada. Os escritos
canônicos são estes: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Jesus Navé (Josué), Juizes,
Rute, 4 Livros dos Reinados, 2 Livros dos Paralipômenos (= Crônicas), Jó, Saltério de Davi, 5
Livros de Salomão, (isto é, atribuídos a Salomão: Provérbios, Sabedoria, Cântico dos Cânticos,
Eclesiastes, Eclesiástico), 12 Livros proféticos (= Profetas Menores), Isaías, Jeremias (com
Lamentações e Baruc), Daniel, Ezequiel, Tobias, Judite, Ester, 2 Livros de Esdras (= Esdras e
Neemias), 2 Livros dos Macabeus. Do Novo Testamento: 4 Livros dos Evangelhos, Atos dos
Apóstolos, 13 cartas do Apóstolo Paulo, 1 carta do mesmo aos Hebreus (Hb) separada do Corpus
Paulinum, 2 de Pedro e 3 de João, 1 de Tiago, 1 de Judas, o Apocalipse de João. (Enchiridion Biblicum
[EB] 16 e 17).
Este cânon foi confirmado no Concílio particular de Cartago (419) contando-se Hb
simplesmente entre as cartas paulinas.
A Igreja grega, no segundo Concílio Trulano (692) aceitou o mesmo cânon na sua integra.
O patriarca Fócio (†891) reiterou-lhe a aprovação outorgando-o à Igreja grega inteira.
Na Igreja Ocidental encontramos iguais elencos de livros sacros no Decreto Gelasiano, do
papa Gelásio (492-496), bem como no decreto do Concilio de Florença contra os Jacobitas (1441).
Com tudo isso, o debate sobre a extensão do cânon bíblico parecia encerrado.
b) O Concílio de Trento: A discussão foi renovada por Martinho Lutero que, embora
traduzisse os livros deuterocanônicos, os colocou no fim da Bíblia, tachando-os de apócrifos e “não
pertencentes à Escritura Sagrada, mas úteis de serem lidos”.
A posição de Lutero em face de Hb, Tg, Jd e Ap não é clara. Não os conta entre os livros
que “fazem brotar Cristo”. Estão na sua versão do Novo Testamento de 1522 e 1546, mas,
contrariamente aos outros livros, sem numeração e sumários de conteúdo. Só nas edições
posteriores abandonou-se a discriminação. Por isso, o Concílio de Trento, viu-se obrigado a decidir
a questão definitivamente para toda a Igreja (IV Sessão, 8/4/1546).
A Igreja Grega Ortodoxa, além dos livros canônicos do Concilio de Trento, considera
ainda como canônicos 3Esd e 3Mc, ambos apócrifos na Igreja Latina. Na Igreja Russa, sob a
influência protestante, desde o século XVIII, discute-se a canonicidade dos livros deuterocanônicos.
A mais recente tradução russa da Bíblia, editada pelo patriarcado de Moscou, contém todos os
livros deuterocanônicos na ordem da Septuaginta e ainda 3-4Esd e 3Mc. Para nenhum desses livros
o patriarcado manifesta a mínima dúvida no tocante à canonicidade; chama a atenção somente o
fato de que 4Esd está depois dos três Macabeus, enquanto que o 3Esd vem depois de Neemias.
A maioria dos protestantes concorda com Lutero na rejeição dos livros deuterocanônicos
do AT. Quanto ao Novo Testamento, não existe nenhuma divergência entre católicos, gregos,
russos e protestantes6.
CONCLUSÃO
Um dos resultados da História do Cânon é demonstrar como é falso opor a Escritura à
Tradição, ou pleitear o principio da “sola scriptura” (só a Bíblia). Cada livro em particular tem a
sua origem no seio do povo eleito do Antigo e do Novo Testamento, refletindo a Tradição sagrada
do povo de Deus.
Nem Cristo nem os Apóstolos deixaram à Igreja um cânon delimitado e obrigatório. Foi
depois de hesitações seculares e muitos debates entre províncias eclesiásticas e os teólogos que a
Igreja, sob a assistência do Espírito Santo, decidiu quais livros serviriam de fontes de revelação de
ambos os Testamentos. De modo que o cânon oficial não é outra coisa senão o reflexo de uma
tradição secular.
Daí não segue, porém, que a Bíblia e Tradição possam ser identificadas uma com a outra.
A pregação da Igreja deverá transmitir as promessas divinas dirigidas a Israel, o Evangelho de Jesus
e a fé pascal e pentecostal de que Jesus é o Messias e o Senhor, até o dia de sua volta. Para poder
transmitir a mensagem, Deus entregou à Igreja os livros sacros, como primeiros testemunhos da
revelação, a par de tudo que os pais tinham recebido, aquilo que “ouviram e viram”. Os livros do
Antigo e do Novo Testamento são o patrimônio valioso deixado como herança pelas primeiras
testemunhas. Considerando-os como documentos oficiais da revelação não quer dizer que a Igreja já
não tenha mais mensagem própria para nós - ela possui o Espírito Santo da Verdade que introduz
em toda a Verdade (Jo 14,17; 15,26; 16,13) - mas que ela se controla e orienta constantemente pelas
palavras daquelas testemunhas inspiradas.
OBS. Esta Apostila foi inicialmente elaborada pelo saudoso biblista Dom Elizeu de Morais Pimentel, falecido em 2003,
e agora revista por Frei Ildo Perondi.
6 Outras Igrejas Orientais, principalmente a etíope, aceitam maior número de apócrifos, ou rejeitam o Apocalipse e uma ou outra das
Cartas Católicas.
CÂNON DE MURATORI
O Cânon de Muratori é o documento mais antigo que se tem a respeito do cânon bíblico do Novo
Testamento, por ter sido escrito por volta do ano 150, uma vez que cita o nome de Pio, bispo de Roma de 143 à 155,
irmão de Hermas, autor de "O Pastor".
Tal documento trata-se de um manuscrito do séc. VIII, cópia do original, descoberto pelo sacerdote italiano
Ludovico Antonio Muratori no séc. XVIII.
O manuscrito encontra-se mutilado no início e no fim, mas permite distinguir quatro espécies de livros:
1. Os que são lidos publicamente na Igreja.
2. Os que algumas pessoas querem que sejam lidos publicamente na Igreja.
3. Os que são lidos particularmente.
4. Os que devem ser desprezados.
...aos quais esteve presente e assim o fez1.
O terceiro livro do Evangelho é o de Lucas. Este Lucas - médico que depois da ascensão de Cristo foi levado
por Paulo em suas viagens - escreveu sob seu nome as coisas que ouviu, uma vez que não chegou a conhecer o Senhor
pessoalmente, e assim, a medida que tomava conhecimento, começou sua narrativa a partir do nascimento de João.
O quarto Evangelho e o de João, um dos discípulos. Questionado por seus condiscípulos e bispos, disse:
"Andai comigo durante três dias a partir de hoje e que cada um de nós conte aos demais aquilo que lhe for revelado".
Naquela mesma noite foi revelado a André, um dos apóstolos, que, de conformidade com todos, João escrevera em seu
nome.
Assim, ainda que pareça que ensinem coisas distintas nestes distintos Evangelhos, a fé dos fiéis não difere, já
que o mesmo Espírito inspira para que todos se contentem sobre o nascimento, paixão e ressurreição [de Cristo], assim
como sua permanência com os discípulos e sobre suas duas vindas - depreciada e humilde na primeira (que já ocorreu) e
gloriosa, com magnífico poder, na segunda (que ainda ocorrerá). Portanto, o que há de estranho que João
freqüentemente afirme cada coisa em suas epístolas dizendo: "O que vimos com nossos olhos e ouvimos com nossos
ouvidos e nossas mãos tocaram, isto o escrevemos"? Com isso, professa ser testemunha, não apenas do que viu e ouviu,
mas também escritor de todas as maravilhas do Senhor.
Os Atos foram escritos em um só livro. Lucas narra ao bom Teófilo aquilo que se sucedeu em sua presença,
ainda que fale bem por alto2 da paixão de Pedro e da viagem que Paulo realizou de Roma até a Espanha.
Quanto às epístolas de Paulo, por causa do lugar ou pela ocasião em que foram escritas elas mesmas o dizem
àqueles que querem entender: em primeiro lugar, a dos Coríntios, proibindo a heresia do cisma; depois, a dos Gálatas,
que trata da circuncisão; aos Romanos escreveu mais extensamente, demonstrando que as Escrituras têm como
princípio o próprio Cristo.
Não precisamos discutir sobre cada uma delas, já que o mesmo bem-aventurado apóstolo Paulo escreveu
somente a sete igrejas, como fizera o seu predecessor João, nesta ordem: a primeira, aos Coríntios; a segunda, aos
Efésios; a terceira, aos Filipenses; a quarta, aos Colossenses; a quinta, aos Gálatas; a sexta, aos Tessalonicenses; e a
sétima, aos Romanos. E, ainda que escreva duas vezes aos Coríntios e aos Tessalonicenses, para sua correção,
reconhece-se que existe apenas uma Igreja difundida por toda a terra, pois da mesma forma João, no Apocalipse, ainda
que escreva a sete igrejas, está falando para todas.
Além disso, são tidas como sagradas uma [epístola] a Filemon, uma a Tito e duas a Timóteo; ainda que sejam
filhas de um afeto e amor pessoal, servem à honra da Igreja católica e à ordenação da disciplina eclesiástica.
Correm também uma carta aos Laodicenses e outra aos Alexandrinos, atribuídas [falsamente] a Paulo, mas
que servem para favorecer a heresia de Marcião, e muitos outros escritos que não podem ser recebidos pela Igreja
católica porque não convém misturar o fel com o mel.
Entre os escritos católicos, se contam uma epístola de Judas e duas do referido João, além da Sabedoria
escrita por amigos de Salomão em honra do mesmo.
Quanto aos apocalipses, recebemos dois: o de João e o de Pedro; mas, quanto a este último, alguns dos nossos não
querem que seja lido na Igreja.
Recentemente, em nossos dias, Hermas escreveu em Roma "O Pastor", sendo que o seu irmão, Pio, ocupa a
cátedra de bispo da Igreja de Roma. É, então, conveniente que seja lido, ainda que não publicamente ao povo da Igreja,
nem aos Profetas - cujo número já está completo -, nem aos Apóstolos - por ter terminado o seu tempo.
De Arsênio, Valentino e Melcíades não recebemos absolutamente nada; estes também escreveram um novo
livro de Salmos para Marcião, juntamente com Basíledes da Ásia...
Fonte: http://www.presbiteros.com.br/Patristica/Canon.htm
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1Certamente, estas palavras finais se referem ao evangelho de Marcos, que não foi testemunha ocular dos acontecimentos, mas que conhecia muito
bem os sermões de Pedro por ter sido seu discípulo.
2Ao usar a expressão "por alto" o autor deste escrito está querendo afirmar que Lucas omitiu esses atos por não os ter presenciado ou por não terem
ainda ocorrido durante a redação dos Atos dos Apóstolos. No entanto, reconhece tais atos como fidedignos.

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